Saúde mental

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A minissérie “Adolescência“, em 4 episódios na Netflix, escancara muitas verdades indigestas. A trama acompanha um adolescente de 13 anos que comete um assassinato cruel contra uma colega de escola. Rapidamente detido pela polícia, o assassino se recusa a assumir a responsabilidade, chocando pais e toda a comunidade. Uma investigação na escola revela outros problemas, culminando em uma avaliação psicológica que surpreende os espectadores. Apesar do drama ficcional, a série espelha um cenário bastante real do mundo em que vivemos: um mundo marcado pelo machismo e pela influência das redes sociais.

A série nos apresenta o conceito de “incels”, ou celibatários involuntários, homens que, por não conseguirem se relacionar com mulheres, passam a odiá-las, culpando-as por preferirem outros. É uma forma simplista de transferir a culpa e a responsabilidade para terceiros. No entanto, esses homens representam um perigo real, especialmente para as mulheres.

Entretanto, os incels são, em grande parte, fruto de uma sociedade doente, que valoriza padrões de beleza e riqueza inatingíveis. Uma sociedade que frequentemente objetifica as mulheres em diversas esferas – nas empresas, nas famílias, e até mesmo nas igrejas. Homens de diferentes classes sociais reproduzem comportamentos que restringem a vida e o papel das mulheres àquilo que é esperado e desejado por eles. E, nesse ponto, a questão transcende os incels, abrangendo o comportamento de muitos homens.

Homens que são incentivados a reprimir emoções e sentimentos, homens que sentem a necessidade de ter sucesso financeiro para “conquistar” as mulheres consideradas mais atraentes. Um exemplo dessa mentalidade pode ser visto na composição de lideranças políticas, como na presidência dos Estados Unidos e em diversos congressos ao redor do mundo.

Os Estados Unidos de 2025, por exemplo, parecem ter declarado “guerra” àa políticas de diversidade e às mulheres com o posicionamento do novo (antigo) presidente Donald Trump em seu primeiro dia de mandato. Mark Zuckerberg, buscando se aproximar politicamente e ganhar vantages, declara que as empresas precisam de mais “energia masculina, argumentando que a agressividade é positiva para os negócios. Mais homens implica em menos mulheres, negros, trans, asiáticos e outras “minorias” e outras minorias que seriam prejudiciais. As mulheres são reduzidas a objetos, e os demais, a “abjetos”.

Essas pessoas detêm dinheiro e poder, e frequentemente se cercam de lindas mulheres troféu. Não são incels no sentido estrito da palavra, mas agem de forma semelhante. Em vez de assassinatos nas ruas, preferem a violência conjugal, o abuso emocional e a objetificação. Não são incels, mas são misóginos, e estão em todos os lugares.

A família tradicional muitas vezes se preocupa com os incels, sem perceber que, em seu próprio seio, reproduz comportamentos que oprimem as mulheres. É a mulher que cozinha e lava a roupa, que cuida dos doentes, que trabalha em jornadas não remuneradas para que o “pai de família” possa descansar após um dia de trabalho. É a mulher que estuda e, mesmo com as adversidades, conquista cada vez mais espaço no sustento da família.

E, enquanto isso, os incels existem e se organizam, muitas vezes sob o anonimato da internet, adotando códigos obscuros para pregar o ódio contra as mulheres que os rejeitam. Emoticons e emojis são usados para criar um dialeto próprio nas redes sociais, dificultando a compreensão para os “não iniciados” e garantindo uma certa “criptografia” em suas mensagens.

Os incels encontram incentivo nos “red pills”, grupos que pregam a revitalização de uma masculinidade supostamente em declínio devido à ascensão das mulheres. Influenciadores apresentam um ideal de masculinidade onde as mulheres precisam ser “protegidas”, desde que “voltem ao seu lugar”. Ensinam como a vida pode ser “boa” quando as coisas voltarem a ser “como antes”.

Configurar incels como pessoas com transtornos mentais ou crianças mal orientadas é parte do problema, pois falas como estas retiram deles a responsabilidade por seus atos. Apesar de serem reflexo da educação que recebem de todos os lados, eles possuem sim responsabilidade e merecem ser julgados por seus atos. Mesmo que existam influenciadores digitais à sua volta, o problema não se resume a controlar as redes sociais – essa é uma verdade já estabelecida. Não se trata de liberdade de expressão. Trata-se de entender quem ganha com este movimento: ; o conteúdo monetizado na internet gera lucro para as empresas de tecnologia.

“Adolescência”, da Netflix, aborda tudo isso e muito mais. Trata do conflito dos pais em controlar o que seus filhos consomem nas redes, mas falham em controlar os exemplos que dão no dia a dia. Uma das cenas mais marcantes é o ataque de fúria do pai do assassino quando seu carro é vandalizado, enquanto mãe e filha assistem aterrorizadas. É sobre isso. É óbvio que precisamos de mais controle e ferramentas para educar crianças e adolescentes, mas também precisamos encarar que o feminismo é para todos, como defendia Bell Hooks, teórica feminista e antirracista.

Não é possível combater os incels mantendo a sociedade nos mesmos moldes. “Adolescência” é sobre a luta contra o patriarcado, um sistema que privilegia homens em detrimento das mulheres, influenciando e controlando comportamentos, inclusive a vida reprodutiva das mulheres. Politicamente, movimentos de extrema direita se beneficiam deste cenário e atraem misóginos com um discurso raivoso contra “inimigos externos”. A extrema direita não busca diálogo ou coalizão, mas sim a dominação.

Lutar pelo fim do patriarcado é lutar pela igualdade entre homens e mulheres. Feminismo não é a inversão de papéis e a liderança feminina. Feminismo é a igualdade de direitos e oportunidades para todos os gêneros.

Apesar de ficcional, a série retrata diversas realidades, evidenciadas pela pesquisa dos produtores. Stephen Graham, roteirista da série, revelou que criou perfis falsos em redes sociais, investigou fóruns restritos e revisitou suas experiências de bullying e depressão. Graham declarou que sua motivação veio dos crimes contra mulheres na Inglaterra, que ele mesmo havia negado a relevância que mereciam. Ele reconhece os desafios da paternidade e o problema que os smartphones representam para sua família, resgatando a ideia de que “é preciso uma aldeia para criar uma criança” e constatando que a solução é social, não individual.

Entretanto, todos fazemos parte dessa “aldeia”. Estamos vinculados na mesma comunidade, neste planeta. Todos conhecemos pais e mães que precisam de apoio, crianças e adolescentes que se sentem perdidos. Temos uma responsabilidade individual para com o coletivo, precisamos conversar, orientar e proteger. Precisamos entender as conexões entre os fatos para compreender a complexidade das soluções necessárias.

Mas o que faremos após nos sensibilizarmos com a série? Podemos considerá-la apenas entretenimento e esquecê-la no dia seguinte. Ou podemos refletir como adultos e extrair algumas lições, como:

  • Conhecer e estabelecer limites para o tempo de tela e o conteúdo consumido por menores de 15 anos;
  • Reconhecer que crianças e adolescentes hoje vivem em um mundo diferente do que o nosso;
  • Ser receptivo e sensível nas conversas, não tentando impor opiniões pela força;
  • Dar exemplos de comportamento esperado, em vez de “fazer o que eu digo, não o que eu faço”;
  • Ampliar sua educação social e modificar comportamentos agressivos.

Muito foi escrito sobre homens, mas são as mulheres que morrem e não são lembradas, e isso também é descrito na série quando a policial ainda na escola mostra um pouco de sua revolta. Ao final, é sobre quem ficou no caminho, não sobre quem interrompeu forçosamente uma jornada.

Espero que este texto contribua para sua compreensão da série, abaixo seguem alguns links que podem contribuir com sua compreensão da série:

Artigo escrito por Mauricio Corsetti.

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Maurício Corsetti - Terapeuta e analista - Logo animado

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