Você já se perguntou o que é uma narrativa? Essa palavra é frequentemente utilizada em contextos de conflitos de versões, e vemos pessoas justificando praticamente tudo com base na chamada “criação de narrativas”.
Quão manipulados somos pelas narrativas ao nosso redor? Como isso impacta nossa saúde mental e como podemos sobreviver a essa influência? Muitas perguntas, mas vamos começar pelo começo.
O que é uma narrativa?
Narrativa é o relato de alguém sobre algum acontecimento; é a descrição de uma sequência de eventos. Uma narrativa pode ser ficcional ou real: ficcional quando lemos um livro em busca de entretenimento, e real quando buscamos nos informar sobre eventos da vida cotidiana. Não muito tempo atrás, para saber algo, precisávamos ler um jornal ou ouvir uma pessoa especializada em narrativas para compreender um determinado fato. Hoje, com a tecnologia ao alcance das mãos e as redes sociais, qualquer pessoa se transforma em criadora de narrativas.
Narrativas e Ideologias – uma relação estreita
As narrativas moldam a forma como enxergamos o mundo, e isso ocorre de maneira mais ampla do que gostaríamos de admitir. Narrativas são uma forma de transmissão de informações que, muitas vezes, não têm o interesse do público-alvo como prioridade. Frequentemente, encontramos a palavra “narrativa” associada a conceitos ideológicos:
- “Ah, mas isso é uma narrativa da direita!”
- “A esquerda sempre utiliza a mesma narrativa.”
Antes de avançarmos, precisamos entender o que é uma ideologia. O filósofo Slavoj Žižek define ideologia como uma maneira de perceber a sociedade conforme nossos interesses particulares. Para ele, a ideologia é a “ilusão” que estrutura nossas relações sociais reais e efetivas, enquanto mascara um núcleo real insuportável.
Žižek se diferencia de Karl Marx na forma como as pessoas se relacionam com a ideologia. Enquanto Marx argumenta que as pessoas não têm consciência de suas ações por estarem alienadas, focadas no fetiche da mercadoria, Žižek sugere que o caminho para superar uma ideologia não é simplesmente observar o mundo como ele é, mas entender o que, em nós, se expressa através dela.
Você pode ler um artigo mais aprofundado sobre esse tema aqui.
Psicologia e Ideologia
Vamos, agora, considerar a visão que as pessoas têm do mundo, incluindo os profissionais de psicologia. Não muito tempo atrás, em consultórios por aí, era comum ouvir:
- “Você precisa fazer as pazes com aquela pessoa…”
- “Quando você acreditar em…”
- “Você deve aceitar que…”
- “Se você fizer isso, você vai…”
- “Mulheres/homens são assim…”
Diferentes abordagens trazem suas próprias ideologias e, junto delas, preconceitos e determinismos que pouco ajudam no processo terapêutico, muitas vezes reforçando a submissão do indivíduo às fontes de poder.
Ajuste-se ou morra!
As fontes de poder são estabelecidas pela sociedade como um todo, incluindo chefes, clientes, família, religiões e grupos de amigos, todas marcados por questões de raça, classe social e gênero. Um exemplo disso são as relações entre homens e mulheres. Elizabeth Badinter, que você pode conhecer em uma entrevista aqui, apresenta exemplos de como ideologias podem prejudicar a evolução de uma sociedade, especificamente a francesa.
Em sua obra sobre gênero, Badinter conclui que o famoso Complexo de Édipo de Freud é construído em um determinado momento social, quando homens deixam suas casas e famílias para trabalhar em uma sociedade recém-industrializada, fazendo com que a mulher assuma a total responsabilidade pela criação dos filhos. Se ela tiver uma menina, tudo bem; mas se for um menino, a responsabilidade dela aumenta, já que haverá uma ameaça potencial de desvirtuar uma criação masculina.
O Século do Ego
Aprender requer esforço; nos tira da zona de conforto, cansa e desafia nossas visões de mundo, o que pode explicar por que as pessoas leem cada vez menos. Contudo, é possível se informar por meio de bons vídeos, já que estamos habituados com o binge-watching na Netflix e em outros serviços de streaming. Maratonamos horas de séries, mas raramente assistimos a documentários.
Nosso ego é frágil; esforçamo-nos diariamente para protegê-lo. No entanto, é crucial entender por que isso ocorre e como somos manipulados socialmente. No momento em que escrevo, vejo no jornal que a pessoa mais rica do mundo é o principal acionista da LVMH, um grupo que detém marcas de luxo como Louis Vuitton, Dior, e Tiffany. O mercado de luxo é um sintoma dessa fragilidade.
Um documentário que ajuda a entender esse processo contemporâneo é “O Século do Ego”, produzido em 2002 por Adam Curtis e exibido pela BBC. Em uma breve análise desse documentário, encontramos:
- Episódio 1 – Máquinas da felicidade: Freud argumenta que existem forças ocultas e primitivas na mente das pessoas, que podem mudar o mundo. Seu sobrinho, Edward Bernays, aplica esses conceitos nas empresas, por volta de 1920, mostrando como fazer as pessoas desejarem coisas que não precisavam por meio da conexão com desejos inconscientes. Com a satisfação das necessidades, as pessoas se tornam mais dóceis e menos propensas a expressar essas forças. Assista ao episódio aqui.
- Episódio 2 – Engenharia do consentimento: Políticos se interessam pelas ideias de Freud e por como foram usadas por Bernays para controlar as massas. Acredita-se que a liberação dos desejos irracionais levou ao surgimento da Alemanha Nazista. Nesse contexto, por volta de 1950, o governo americano começa a investir em formas de controlar sua população, visando manter uma sociedade estável. Assista ao episódio aqui.
- Episódio 3 – Há um policial em nossas cabeças: Na década de 1960, psicoterapeutas criticam as teorias freudianas e seu uso pelos governos. Wilhelm Reich desafia essas teorias, fundando uma contracultura que propõe que os desejos ocultos não devem ser reprimidos, mas sim expressados. No entanto, em vez de formar um ambiente seguro, essas ideias resultam na expansão corporativa, que busca vender novas maneiras de expressar essa individualidade. Assista ao episódio aqui.
- Episódio 4 – Oito pessoas bebendo vinho: A década de 1990 é marcada pela manipulação dos desejos e oferta de satisfação por políticos de “esquerda”, tanto nos EUA quanto no Reino Unido. Grupos focais, usados para entender como grupos reagem a informações, rapidamente se transformam em mais um instrumento de controle das massas. Assista ao episódio aqui.
Essas ideias são quase nada comparáveis ao que observamos hoje no Brasil e no mundo. Como, então, podemos manter nossa saúde mental em meio a tudo isso?
Psicologia decolonizada e sem preconceitos
Se conseguimos dar um passo atrás e entender que quase tudo ao nosso redor é um esforço, muitas vezes consciente, para nos manipular, como podemos reconhecer nossa potência, nossa força e nossos desejos?
Quando nos deixamos manipular, esquecemos quem somos e quais são nossos verdadeiros desejos. Isso nos leva a relações insatisfatórias e nos torna mais suscetíveis a crises de depressão e ansiedade.
Devemos aprender a perceber as influências sociais e nos questionar sobre as razões de nossas ações e vontades. Buscar terapeutas, independentemente da abordagem, que sejam sensíveis a essas questões se torna essencial, para que não imponham suas crenças individuais sobre nosso processo, mas nos ajudem a enxergar além do óbvio.
Escrevi um artigo específico sobre este assunto, e você pode lê-lo aqui.
A manutenção ou construção da saúde mental enfrenta muitos desafios, mas é possível criar um ambiente saudável com dedicação.
Artigo escrito por Mauricio Corsetti.
Dê o primeiro
passo.
Vamos
conversar.
FALE CONOSCO PELO WHATSAPP OU PREENCHA O FORMULÁRIO ABAIXO:

[…] Veja que nenhuma relação é perfeita e que sempre haverá algo que atrapalha a dinâmica da relação. E a chave é entender esta dinâmica, a relação entre as partes que criam o todo, pois uma mudança individual não mudará a relação, é como se fosse uma dança que só funciona se ambos estiverem no mesmo ritmo. A mudança de um deve ser acompanhada pela mudança do outro. Hoje as relações estão permeadas de idealizações que constroem um sonho nunca realizado. Você pode saber mais sobre isso neste sobre manipulação social. […]